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Uma introdução às armas e armaduras provenientes do mundo Islâmico e Índia

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Dr. Robert Elgood Tradução do inglês por Drª. Vanda Noronha

Armas islâmicas não podem ser completamente compreendidas sem algum conhecimento prévio dos primeiros séculos do Islão e a vida do Profeta, porque os ensinamentos destes primeiros séculos continuaram a permear a sociedade Islâmica, e a moldar atitudes em relação a armas até ao fim do século XIX.

A comunidade Muçulmana foi estabelecida em Meca pelo Profeta Muhammad, que era o recipiente de instruções Divinas, por volta de 610AD. Estas instruções eram redigidas pelos seus escribas na forma de versos, ou Sūra, e, depois da morte de Muhammad, o Califa ‘Uthmān (23-35AH / 644-56), na tentativa de preservar os ensinamentos de um homem extraordinário, agregou as Sūras num livro, o Qur’ān. Estas revelações ofereciam orientação para lidar com as tensões económicas, políticas e sociais que afectavam a comunidade (umma). Os habitantes de Meca tinham derrotado os seus vizinhos e tomado controlo da rota de caravanas paralela à costa do Mar Vermelho, na Arábia Ocidental, que ligava o Iémen, ao sul, e Damascos e Gaza, ao norte. A partir do Iémen as rotas de comércio estendiam-se até aos ricos produtos da Etiópia e da Índia, enquanto ao norte o Império Romano oriental ou Bizantino cobiçava os seus raros e exóticos produtos. A longa guerra entre duas mais formidáveis civilizações deste período no Oriente, os Bizantinos e os Persas, que durou durante mais de meio século, tinha esgotado ambos Impérios, e tinha efectivamente fechado a rota alternativa entre a Índia e a Síria, através do Eufrates e o Golfo Pérsico.

Os mercadores de Meca tinham o domínio e controlo sobre o comércio lucrativo entre Oriente e Ocidente, e como tal eram extremamente prósperos, o seu comportamento ficando progressivamente diferente com as mais antigas tradições tribais nomádicas, rupturando a tradicional solidariedade e igualdade tribal em novas divisões de ricos e pobres. O Qur’ān pronunciava-se sobre estas preocupações sociais, unindo deveres religiosos e sociais. Em determinada altura, o conflito social levou o Profeta a mudar a sua comunidade de crentes para o oásis vizinho de Medina, a trezentos quilómetros de distancia através do deserto, no dia 16 de Julho de 622AD, uma fuga que ficou conhecida como a hijra, e que deu inicio ao ano e cronologia Islâmicas. Dentro da Arábia, incursões eram uma vertente habitual da vida dos Beduínos no período pré-islâmico, um tipo de desporto com poucas vítimas entre os dois lados oponentes. O Qur’ān refere-se a estas incursões de forma aprovadora: “Pelos corcéis resfolegantes, que lançam chispas de fogo com seus cascos enquanto galopam para a sua incursão ao amanhecer, e com um rasto de poeira cortam o adversário em dois: o homem é ingrato para com o seu Senhor.” Esta actividade tradicional permaneceu inalterada até ao início do século XX, um exemplo sendo ‘Auda abu Tāyy dos Huwaitāt, que tinha morto setenta e cinco Árabes pelas suas próprias mãos em batalha, e não contabilizava as mortes de adversários Turcos. Este foi descrito por Lawrence da Arábia como sendo “cuidadoso em ser inimigo de quase todas as tribos do deserto, para assim poder ter uma abrangência respeitável para as suas incursões”.Nota 1Lawrence 1941, página 230. Em trinta anos de guerra, os guerreiros da sua tribo tinham sido reduzidos de 1200 para 500

A partir de Medina o Profeta começou a enviar forças de incursão para interceptar as caravanas de Meca. Ao fim de algum tempo, a guerra entre as duas comunidades resultou numa batalha decisiva em Badr, em 2AH/624AD, da qual os Muçulmanos saíram vitoriosos. Os contra-ataques de Mecca não tiveram sucesso, um destes tendo sido derrotado quando os Muçulmanos construíram uma trincheira a fim de contrariar a poderosa cavalaria de Meca, uma ideia revolucionária na Arábia, e que se pensa ter sido sugerida por um convertido Persa. Estando assim estabelecidos, os Muçulmanos desenvolveram o conceito de jihād, que era essencialmente a razzia tradicional mas dirigida apenas contra não-Muçulmanos, e quando os números destes diminuíram, assim os incursores eram forçados a mais longas viagens.

Este desenvolvimento foi posteriormente refinado, no sentido em que a não-Muçulmanos que se submetiam era-lhes permitida protecção em troco de um imposto. Em 630AD, o Profeta foi então capaz de liderar o seu exército de volta a Meca, tomando controlo desta, o seu tratamento dos habitantes de Meca tendo sido tão generoso que muitos destes se juntaram às suas forças quando sob ameaça de uma tribo oriental vizinha. Os anos tardios da vida do Profeta foram passados a lidar com as consequências do seu sucesso e com a propagação do Islão, da qual uma manifestação foi o estabelecimento de uma grande peregrinação, ou Hajj, até Meca, o que incorporou no Islão várias tradições Árabes pagãs pré-Islâmicas. Quando Muhammad morreu em 11AH/632AD, o estado Islâmico esteve em risco de se fracturar e várias tribos inclusive se separaram deste último, mas a situação foi remediada pelas acções de ‘Umar b. al-Khattāb e a eleição de Abū Bakr como khalīfat Rasūl Allāh [Sucessor (Califa) do Mensageiro de Deus], o início do Califado.

Tendo restabelecido o seu controlo, o novo Califa começou a enviar exércitos Árabes contra os Bizantinos e os Persas Sassânidas. Devido à prosperidade da Arábia, tinha havido então um crescimento populacional considerável, e muitos Árabes tinham-se deslocado para o norte, para a Síria e para o Iraque, onde se juntaram à população indígena de origem Semita. Estes Árabes, sujeitos a regentes Bizantinos e Sassânidas, sentiam uma ligação com aqueles que formavam os comparativamente pequenos exércitos Muçulmanos que invadiam agora a Síria e o Iraque, e lutavam portanto do lado destes. O conceito de jihad, ou guerra santa, afirmava que morrer por tal causa assegurava o Paraíso, e que o saque era a recompensa de Deus para os Seus soldados. Sempre que um extenso exército chegava para lidar com estes invasores, os Árabes desapareciam sem rasto para o deserto profundo de onde tinham vindo. Os Persas foram derrotados no Iraque em Qādisiyya em 15AH/636AD, os Muçulmanos seguindo esta vitória com a ocupação de Jazīra.

Depois de uma batalha decisiva perto de Nihāvand em 21AH/642AD, apelidada pelos Muçulmanos como a “Vitória das Vitórias”, o exército perseguiu o rei Persa, Yazdigird III, que recuou via Isfahān até Khurāsān onde, abandonado pelo seu súbdito, foi assassinado por um sátrapa local em 31AH/651-2AD.

Enquanto a campanha Persa estava a decorrer, os exércitos Árabes estavam também envolvidos na Síria e na Palestina, onde o Imperador Bizantino Heraclius tinha um vasto exército. O grande comandante Árabe Khālid b. al-Walīd derrotou Heraclius e ocupou Damasco. Um recentemente mobilizado exército Bizantino foi derradeiramente derrotado perto do Rio Yarmūk numa batalha campal em 636AD, o que deu aos àrabes a maior parte da Síria, embora as cidades demorarem ainda algum tempo a ser derrotadas. Jerusalém foi ocupada em termos generosos em 17AH/638AD. Exércitos Árabes ocuparam também o Egipto e iniciaram o processo de incursões, conquistas e assimilações que lhes daria o controlo do norte de África em 86AH/705. Estes exércitos atravessaram então os estreitos e derrotaram o rei Visigodo Roderick e ocuparam a capital, Toledo. Outro exército Muçulmano conquistou partes do vale do Indo em 91-4AH/710-13, enquanto um vasto exército Islâmico cercou Bizâncio durante um ano em 99-100AH/717-718. Em 706AH um exército Muçulmano partiu na direcção de Transoxania e Farghānā e poderá ter chegado a Kashgar no Turkestão Chinês, enquanto em 99AH/717 outro exército Muçulmano atravessou os Pirenéus e invadiu França. Depois de capturar Narbonne, foram derrotados em Toulouse. Exércitos Islâmicos mais tardios chegariam até perto de Tours na França central antes de serem repudiados.

A Arábia em si possuía recursos humanos limitados e um factor chave no sucesso destes exércitos Muçulmanos, que era a sua capacidade de atrair recrutas dentro dos povos que conquistavam. Estes recrutas traziam para o exército as suas tradições militares estabelecidas e armas locais. Como resultado, encontramos entra armas pré-Islâmicas e as suas descendentes directas nas mãos dos novos convertidos Muçulmanos. A consequência disto é a vasta variedade de tipos de armas que são todas, nominalmente, Muçulmanas.

Em algumas áreas da Índia, os Muçulmanos não conseguiram converter ou assimilar a população indígena, a maior parte da qual permaneceu como Hindu. No entanto, o domínio cultural da corte Mugal, com a sua forte influência Persa, e a assimilação gradual de cultura indígena Hindu, incluindo armas, levou a uma síntese que pode ser legitimamente referida a como armas Indo-Muçulmanas. Os termos utilizados para descrever armas e armaduras, nas áreas dominadas por culturas Islâmicas e Indianas, pode ser utilizada especifica ou geralmente, mas armamento e nomenclatura podem viajar largas distâncias desde o seu sítio de construção, e são frequentemente adoptadas por regiões e linguagens diferentes. Não é então surpreendente que, através desta vasta região, uma arma pode ter mais que um nome linguístico, ou que o nome se mantenha mas que a forma mude. A transferência de armas de uma sociedade para outra é geralmente o resultado de comércio ou de guerra. Matéria-prima de elite militar era também transaccionada extensivamente. A amplitude e sofisticação de elos de comércio estão bem documentadas. No século IX, um Árabe em Baghdād escreveu um tratado intitulado de “Um olhar claro sobre o comércio”, discursando nos produtos de várias mercadorias e a sua origem. Para além do mundo Islâmico, este, lista quatro outras regiões – as terras dos Khazars das estepes da Eurásia, a Índia, a China, e o Bizâncio, todos os quais tinham ligações comerciais com o Iraque. Os Khazars traficavam em “armadura, capacetes e capuzes de cota de malha”.

A primeira referência de data certa a cota de malha em documentos chineses ocorre em 718AD, quando um presente de “armadura de elos” chegou de Samarkand. Mais tardiamente nesse século, os Tibetanos que dominavam as regiões pantanosas da China Ocidental cobriram os seus cavaleiros e cavalos em cota de malha fina, deixando apenas os olhos visíveis. Uma tradição coreana do século IX afirmava que um fato de cota de malha teria caído do Céu muitos anos antes, a leste da cidade de Liao.Nota 2Vide Schafer página 261

Armas Europeias ou “Francas” são frequentemente mencionadas pela sua excelência em escritos Árabes deste tempo. O escritor Persa Ibn Khurradādhbeh descreve, em meados do século IX, os mercadores Judeus que transportavam espadas do Ocidente para o Oriente.Nota 3Lewis, 1982, página 138

No século XIII, encontramos geógrafos Árabes a comparar armas Europeias e Indianas, para o prejuízo das últimas: “As espadas de terras Francas são mais afiadas”.Nota 4Lewis, 1982, página 146

Mais difícil que confirmar a existência de armas estrangeiras nas regiões que estamos a considerar é perceber a abrangência do seu comércio.

Devido à grande extensão do Império Turco, este tanto absorvia palavras pertencentes a culturas locais como deixava as suas próprias palavras com estas culturas. Muitas das armas Turcas foram adoptadas nestes territórios ocupados, e adquiriram eventualmente uma pronunciação regional, que se reflectiu mais tarde na sua ortografia. Os Turcos recrutaram extensivamente e estabeleceram as suas tropas através do Império como a situação o exigia, os Albaneses sendo um bom exemplo. A Albânia tem três formas linguísticas principais; Gheg na Albânia do norte, Tosk no sul, e Arberesh no sul da Itália e Sicília, onde ao longo dos séculos muito Albaneses se refugiaram dos Turcos. Existem também dialectos subsidiários.

O resultado é que uma arma poderá ter vários nomes diferentes em diferentes partes desta região. Para além disto, um Albanês que se encontra a servir longe da sua terra natal iria também pedir a artesãos locais para decorarem a sua arma, e é por isso possível encontrar variações consideráveis na ornamentação de certos tipos de armas. Da mesma forma, os Árabes de Hadramaut no sul da Arábia serviram como mercenários na Índia, o regente do Emirado de al Shihr e Mukalla sendo geralmente casado com uma irmã dos Nizam de Hyderabad para assegurar a sua lealdade, e é assim possível encontrar formas Árabes de espadas, punhais e armas de fogo que foram claramente feitas ou decoradas nas regiões do sul e litorais da Índia. Mercenários Árabes eram pagos salários mais elevados e eram considerados como sendo menos prováveis de aceitarem subornos que as tropas Indianas, sendo também extremamente ferozes na sua defesa de cidades e fortificações.

Muitos dos termos técnicos utilizados em Persa científico e militar são provenientes do Árabe e do Turco. Existem também muitas palavras que são descritivas do objecto, tal como “afiado” ou “brilhante” de uma espada. A associação destes adjectivos com espadas é tal que o adjectivo é em si suficiente por si só para indicar o substantivo. Por exemplo, a palavra Persa ‘palārak’, que significa “aço excelente”, significa também “espada”.Nota 5Steingass página 239 As palavras Turcas relacionadas com armas de fogo são largamente utilizadas por outras nações no mundo Islâmico, uma vez que os Turcos eram mais avançados que os seus vizinhos neste tipo de tecnologia. Desde os últimos anos do século XVI, os Turcos utilizavam a palavra karanfil para significar arma, um termo que certamente não tem como proveniência a palavra Grega para arma καριοφίλι (kariophili), uma vez que os Gregos foram desarmados após a ocupação Otomana. A palavra Turca karanfil significa também “cravo”, tanto em Turco, como, com pequenas variações, em Albanês e Servo-Croata. Esta flor era popular em cerâmica Isnik e em tecidos do século XVI. O cravo, Dianthus caryophyllus, é nativo da região Mediterrânea e foi primeiro nomeado por Theophrastus, Θεόφραστος; c. 371 – c. 287 BC., um Grego de Eressos em Lesbos. Foi o sucessor de Aristóteles na escola Peripatética e dois dos seus mais importantes tratados botânicos que ainda sobrevivem, A História Natural das Plantas, e Sobre as Razões do Crescimento das Plantas tiveram grande importância na Europa Medieval. Dianthus significa “a Flor de Deus”, “dios” significando Zeus, e “anthos” flor. Do Grego clássico καρυόφυλλον (karyophyllon), a palavra passa para o Árabe قرمفل (qaranful), e daí para o Turco karanfil, que significa também “cravinho”. Os Gregos contemporâneos utilizam a palavra γαρύφαλλο (garyphallo), significando “cravo” ou “cravinho”, derivada da palavra Veneziana “garofolo”, que provém também do Grego antigo καρυόφυλλον (karyophyllon). Os canos das armas Turcas do século XVI e início do século XVII têm bocas arredondadas, semelhantes a um botão de cravo. Algumas têm mesmo cravos gravados em relevo ou embutidos em latão na boca da arma, como no exemplo de Stibbert.Nota 6Vide Elgood publicação futura 2009, ilustração 214

Nomes de armas Turcas nos Balcãs são normalmente descritivas e esta é provavelmente a origem da palavra kariofili que passa do Turco de volta para o Grego.Nota 7Vide Elgood 2009 op. cit. Este é sem dúvida um exemplo de humor negro militar desta época, semelhante ao de the zanbūrak or zambūrak (Árabe, Turco e Persa), “literalmente uma pequena abelha”, originalmente uma besta e subsequentemente um pequeno canhão transportado a camelo, a piada estando relacionada com o som do seu míssil e o seu “ferrão”. A importância dada a armas no Qur’ān é clara e o Profeta Muhammad, que possuía uma considerável experiência militar como era o caso com a maioria dos seus contemporâneos na Arábia, era também bastante claro nas suas instruções relativamente à sua importância. Ao Profeta é atribuído o aviso “Aprende a atirar, pois o que se encontra entra os dois alvos é um dos jardins do Paraíso”. Também atribuído ao Profeta por al-Muttaqī é a afirmação “Espadas são as chaves do Paraíso”, e os crentes são encorajados a “Sabe[r] que o Paraíso está sob a protecção de espadas”. As palavras do Profeta sobre assuntos militares tiveram um efeito poderoso nas sociedades Muçulmanas no Dar al Islam, e, em alguns casos, resultaram também em atitudes conservadoras em relação a novas armas e técnicas de guerra no Dar al Harb.

Por exemplo, os seus ensinamentos sobre o mérito religioso de treinar com o arco, e a supremacia da espada foram um factor muito importante na derrota dos Mamluks pelos Otomanos, e a destruição doseu reinado em 1517. A utilização de armas de fogo pelos Otomanos em Marj Dābiq e em Raydānīya foi decisiva e a tradicional atitude Muçulmana foi eloquentemente exposta pelo Emir Mamluk Kurtbāy ao Sultão Selim depois da batalha. “Se tivéssemos escolhido utilizar esta arma, não nos teriam precedido no seu uso. Mas nós somos o povo que não rejeita a sunna do nosso profeta Muhammad que é a jihād em nome de Allah, com espada e lança. E pobres de vós! Como se atrevem a disparar com armas de fogo contra Muçulmanos...Nota 8Ayalon, 1956, página 94 Esta atitude permaneceu até aos 1870s, quando os Blunts ofereceram ao seu amigo Fāris, Shaikh do Shammar do Norte, o presente generoso de uma espingarda moderna e pistola que este apreciou muito usar. Fāris rejeitou-os, dizendo “Sou melhor que os meus antepassados, sem armas de fogo”.

Apesar do seu sucesso com armas de fogo, os Sultões Otomanos continuaram a praticar com o arco nos séculos XVII e XVIII. A compreensão, por parte do Profeta, da importância de armas como símbolos políticos é demonstrada pela sua escolha da espada partida (conhecida como Dhu-l-faqār), previamente pertencente ao derrotado herói infiel ‘As ibn Munabbih, como a sua parte do saque da batalha de Badr em 624AD. A influência que o Profeta teve depois da sua morte no desenho de espadas pode ser visto nos comentários que lhe são atribuídos sobre o mérito de prata e ouro para punhos de armas. O Qur’an (IX, 34) pede aos Crentes que não armazenem ouro e prata, mas que os gastem na promoção da verdadeira fé. As tradições que se referem ao desprezo do Profeta por objectos de ouro e prata tais como copos e jóias derivam de isnadsNota 9Isnād significa literalmente uma corrente em Árabe, mas nesta instância significa um dizer atribuído ao Profeta que passou por uma sucessão, ou corrente de pessoas, até á pessoa que a anotou. O Qur’ān como palavra de Deus é imutável mas as conquistas Islâmicas originaram problemas sociais e judiciais não previamente encontradas pelos Árabes e a isnād permitiu às várias escpças Islâmicas de jurisprudência a a possibilidade alguma flexibilidade na criação de sharī ‘a (lei religiosa), escritos depois da sua morte, por volta de 100-150AH. Sem dúvida que estes reflectem as suas opiniões, e, em alguns casos, as suas próprias palavras. O uso de jóias de ouro era muito restrita para homens, e os punhos de armas deveriam ser feitos de prata. Quem espalhou este presumivelmente muito antigo dizer, que permitia isto, foi Qatāda ibn Di’āma de Basra, que morreu em 117/735. A tentativa de atenuar esta posição, provavelmente devido ao largo numero de objectos capturados muito desejáveis encontrados no império Islâmico em franca expansão que não obedeciam a esta regra, é atribuída a Mālik ibn Anas (d.179/795), que argumentava que quando uma cópia do Qur’ān, mushaf, uma espada ou um anel são vendidos nos quais estão presentes ouro ou prata, estes podem trocar de mãos se o valor do metal precioso não exceder um terço do valor total do objecto. Outra tentativa, provavelmente mais tardia, de permitir que punhos fossem feitos de ouro ou prata nunca teve sucesso: pensa-se que o dizer em questão é falso e que o responsável é um Tālib ibn Hujayr, que prosperou no início do século IX.Nota 10Vide Juynboll, 1986, página 111ff, de onde estas isnads foram retiradas. Estas regras referentes a punhos são ainda seguidas hoje em partes da península Arábica, embora não em Oman. No entanto, a absorção pela sociedade Islâmica de um vasto numero de convertidos provenientes dos territórios conquistados resultou na adopção de outras normas sobre estes assuntos em diferentes partes do mundo Islâmico, havendo portanto pouca consistência. A influência do mundo Islâmico na Europa pode ser visto na adopção de palavras do Oriente próximo na nomenclatura de armas, particularmente em Espanha e através das Cruzadas. Noutras ocasiões a nacionalidade e forma da arma era assimilada, em vez do seu nome. Por exemplo, do Francês antigo, ‘coif turcoise’, ‘masse turcoise’ ou ‘arc turcoise’. Presentes entre a Cristandade e o Dar al Islām, incluindo armas, foram frequentemente registados. Por exemplo, no ano 293 (906AD), Bertha, a rainha de Lorraine enviou, através de um eunuco ao serviço do regente Aghlabid do Magrib, ao Califa al-Muktafi, presentes que incluíam cinquenta espadas, cinquenta escudos (turs), cinquenta lanças Francas (rumh) e outros objectos valiosos.Nota 11Al-Zubayr página 69. Também enviadas foram ‘contas que sem for extraem cabeças de flechas (nusul) e de lanças (azzijah) quando a carne inchou à sua volta'. O eunuco que tinha sido capturado pelos Francos durante uma incursão naval no seu território entregou obedientemente os presentes ao Califa, que este encontrou a caçar perto de Samarra.

Estas trocas eram suficientemente comuns para um escritor como al Qazwīnī no século XIII ser capaz de comparar as espadas dos Francos com as da Índia: “eles forjam espadas muito afiadas lá, e as espadas da terra dos Francos são mais aguçadas que as da Índia.Nota 12Al Qazwīnī, Ăthār al-bilād, página 498 Armas magníficas vieram também da corte Bizantina. No ano 326 (983AD) o Imperador Bizantino Romanos enviou ao Califa al-Rādi algumas oferendas de nota, incluindo punhais com punhos de bezoar, decoradas com fios de ouro, e embutidas com pedras preciosas e com pomos de ouro e esmeraldas; duas outras facas com punhos feitos de pedras preciosas, profusamente adornados com pérolas e outras pedras preciosas, e ainda um “machado de guerra (tabarzīn) com uma pesada cabeça com folha de prata, embutida com pedras preciosas e pérolas, o cabo sendo decorado com filigrana de prata e adornado profusamente com folha de prata”.Nota 13Al-Zubayr, página 73

O bezoar, bādizahr ou bāzahr em Árabe medieval, e bezar em Francês e Espanhol antigos, é um cálculo que se acumula à volta de uma substância estranha ao organismo, e é encontrado no sistema digestivo de alguns ruminantes, especialmente as cabras selvagens Persas. Esta rara substância era muito procurada, visto que se acreditava que bezoares ofereciam protecção contra veneno, tal como a palavra Persa pādzahr demonstra: pād significa protector, e zahr veneno. A utilização muito difundida desta palavra em formas linguísticas semelhantes indica o tráfico universal desta substância rara, e a sua utilização nos punhos de armas deve-se ao facto que estas eram utilizadas para comer, ocasião em que comida envenenada poderia ser encontrada. “No ano 217 (832AD) Al-Hasan b. Sahl ofereceu ao (Principe) al-Mu’tasim bi-Allah, durante o reinado do seu irmão al-Ma’mūn bi-Allah … boas facas (sakakin) [com punhos] de chifre de rinoceronte (khatu),Nota 14Khutū significa marfim de morsa, e este é um erro do tradutor. A palavra para rinoceronte é geralmente bishan e esta substância têm também propriedades mágicas. Vide Ettinghausen,  Freer Gallery of Art Occasional Papers, Volume 1, Nº. 3, Washington e outras enormes facas com punhos de bezoar (bazahr).’Nota 15Al-Zubair, página 83 : 42.

A escala dos grandes arsenais nesta época é notável. O conteúdo dos armazéns do Califa Hārūn al Rashīd foi inventariado depois da sua morte em 193/809 por ordens do seu filho, um processo que levou quatro meses, e entre muitos artigos continha 10,000 espadas decoradas, 50,000 espadas para ghulāms (guardas domésticos), 150,000 lanças, 100,000 arcos, 1000 armaduras especiais, 50,000 armaduras comuns, 10,000 capacetes, 20,000 couraças, e 150,000 escudos.Nota 16Ibn al-Zubayr, Kitāb al Dhakhā’ir wa’l-Tuhaf, páginas 214 a 218 A lista não parece conter as armas pessoais do Califa, e os números são demasiado redondos, mas a escala é provavelmente um guia preciso. Armas foram sempre consideradas como presentes muito aceitáveis para oferecer a regentes e encontramos o grande viajante Árabe Ibn Battuta a presentear o regente Indiano bin Tughluq com um camelo carregado de setas.Nota 17Gibb, III, página 596 O autor do Adab al harb é insistente que qualquer emissário enviado a outra corte deverá sempre levar um largo número de presentes valiosos, que devem incluir espadas, lanças, punhais, arcos, flechas e outras armas. Alguns entendimentos entre Cristãos e Muçulmanos são surpreendentes.

Em 1226 Frederick II, Sacro Imperador Romano, mudou os seus sujeitos Muçulmanos rebeldes do leste da Sicília para Lucera no norte da Apulia, Itália, onde os estabeleceu, convertendo as igrejas Cristãs para mesquitas. Os armeiros desta comunidade produziam espadas para o Imperador, sendo estas de qualidade excepcional, inferiores apenas às de Toledo. O Imperador, que falava também fluentemente árabe, construiu para si próprio um palácio Islâmico no qual mantinha um harém de mulheres Muçulmanas e eunucos, e tinha uma guarda pessoal constituída por Muçulmanos.Nota 18Norwich 2006, página 159

Em 1481, os emissários enviados pelo regente Bahmani do Decão Shams al-Din Muhammad Shah, foram presos em Jeddah pelo governante Mamluk local, quando a caminho da corte do Sultão Otomanos Bayzid II, levando com eles presentes que incluíam um punhal incrustado de diamantes. Os presentes foram confiscados, e isto escandalizou de tal forma os Otomanos que crónicas contemporâneas atribuem a guerra entre Mamluks e Otomanos de 1485-91 a este incidente.Nota 19Este episódio é considerado em detalhe no Shai Har-El, 1995, páginas 113 e 4. Os presentes finalmente chegaram à côrte Otomana. A importância de presentes estatais, que muito frequentemente incluíam armas não pode assim ser mais clara. Presentes eram oferecidos por razões comerciais e diplomáticas, tal como o presente oferecido ao regente Maratha Sivaji pela East India Co. Em 1670, composto de “laminas de espada, facas, etc...”Nota 20Vide Fawcett 1936, página 197 uma missão militar Britânica esteve na Pérsia entre 1834 e 1938, na tentativa de melhorar relações com o Shāh Muhammad (1835-48). O Foreign Office enviou o Tenente Richard Wilbrahim, Adjuvante da 1/95th e quarto Sargentos da Rifle Brigade com 2000 espingardas padrão 1823 Baker e baionetas como um presente para o Shāh. Durante perto de três anos estes instruíram o exército persa, mas quando o Shāh cercou a cidade de Herat o governo Britânico forçou-o a abandonar a operação, e as anteriores boas relações foram cortadas. A Missão Militar foi forçada a ir-se embora, cuidadosamente removendo os fuzis das espingardas e levando-as consigo.Nota 21Para mais informação sobre estas espingardas, vide De Witt Bailey, 2008

A nomenclatura para armas e armadura na Índia tem sido dominada em textos Europeus por terminologia proveniente do norte da Índia, Persa, Urdu, Árabe, Hindi e Rajasthani. Outras línguas Indianas, tais como Sânscrito, Kannada, Telugu, Tamil ou Marathu têm também nomes alternativos para estes objectos. Os nomes utilizados por povos tribais adicionam ainda outra variante. Uma sondagem linguística em 1901 encontrou cerca de 255 linguagens e dialectos no subcontinente. Os nomes de objectos específicos são por vezes transferidos como empréstimos linguísticos de outras línguas. Os regentes de Vijayanagara e Nayaka contratavam frequentemente guerreiros de fora da Índia, que traziam com eles as suas próprias armas e nomenclatura, e nas línguas Árabe e Persa existem muitos empréstimos linguísticos que por sua vez foram transferidos para línguas indianas. Como Goetz escreve: “A terminologia de armas Indianas é ainda caótica e precisa de uma examinação crítica". Muitos dos termos são de carácter puramente local e tornam-se compreensíveis apenas quando examinados no contexto da história local.” Nota 22Vide Goetz

A larga extensão do Império Mugal, e do seu sucessor, o Império Maratha, resultou numa larga distribuição de tipos e nomes de armas que seriam inicialmente regionais. Deve ser notado que por todo o subcontinente existem geralmente formas Hindus e Muçulmanas da mesma arma, as diferenças sendo evidentes em detalhes como a forma do punho e a decoração. O conhecimento muito difundido de Sânscrito na Índia Hindu resultou também à palavra genérica para arma em Sânscrito antigo, como lança, moca, etc., ser aplicada, em termos locais, a um tipo específico de arma contemporânea, esta prática sendo no entanto aplicada em diferentes armas através do subcontinente, todas tendo as características a palavra original em Sânscrito. A ligação não é meramente linguística mas frequentemente reflecte a atribuição da arma a um deus ou deusa em particular. Deve ser notado que os deuses que têm as suas próprias armas personalizadas muitas vezes oferecem estas a outros deuses, por vezes a encarnações deles próprios. A arma transferida retém o seu nome genérico e individual. Isto leva por vezes a confusão a identificar que deus possuía que arma bem conhecida. Krishna possuía Sudarsana, o chakram; Sārnga, o arco (dhanus); Kaumodaki, a maça (gada); Nandaka, a espada (khadga); todas estas podem ser consideradas como pertencentes a Vishnu mas a Pancajanya, a concha (sankha) é particular a Krishna. Outros nomes Sânscritos de armas, tais como aqueles dados no Arthasastra de Kautilya, já não podem ser atribuídos com segurança a formas específicas para além da listagem específica dada no texto. Existe também um largo número de nomes de armas Tamil da era Sangam.Nota 23Uma boa selecção destas podes ser encontrada em P.T.Srinivasa Aiyangar's Pre-Aryan Tamil Culture, páginas 39 e 40. Uma lista de armas associadas com a iconografia de deuses Hindus do Norte da India pode ser vista em Aparajita-praccha cited by Shukla página 135. Isto oferece uma boa maneira de relacionar o termo em Sânscrito com a sua representação em escultura. Uma lista de trabalhos sobre Dhanurveda pode ser encontrado em E.D.Kulkani, ‘The Dhanurveda and its contribution to Lexicography’ no Bulletin of the Deccan College Research Institute. Volume 3, 1952.

Quando ocorre uma transliteração, os nomes em qualquer língua poderão ser soletrados em várias formas diferentes. Algumas destas serão mais familiares para coleccionadores que outras. Em todas as sociedades o mesmo objecto poderá ser conhecido por uma multiplicidade de nomes. No entanto, as crenças Islâmicas, a língua Árabe do Qur’an e a tradição têm também um efeito unificante. A palavra Árabe para espada, saif, cobre uma variedade de espadas de diferentes formatos provenientes de vários países. A capacidade da tradição Islâmica de ultrapassar fronteiras e de apelar a homens de todas as nações pode ser vista no caso da espada icónica pertencente ao Profeta Muhammad, chamada por ele de Dhu’l-faqār. O seu nome é geralmente visto como significando “lâmina bifurcada”, mas pode ser traduzido com significados diferentes. Existem várias tradições diferentes relacionadas com a origem desta espada, Sunni e Shi’itas.

A tradição Shi’ita defende que a espada foi trazida por Adão do Jardim do Paraíso; que foi um presente da Rainha de Sheba para o Rei Salomão; e/ou que o Anjo Gabriel a ofereceu ao Profeta. Tendo, por estas associações, dado um passado ilustre à espada, numa sociedade que venerava tradições, a tradição Shi’ita aproxima-se da Sunni em atribuir a pertença da espada a Munabbih b. al Hajjaj, tendo esta sido herdada pelo seu filho, al-‘As’. A crença Sunni é que o Profeta Muhammad retirou a espada como saque a ‘As ibn Munabbih, um herói não-crente que foi morto na batalha de Badr em 624AD. Foi já argumentado por historiadores ocidentais que faqāra e mufaqqār são indicativos que a lâmina “tem uma espinha”, ou têm sulcos gravados na lâmina. No entanto, as palavras também dão a entender que esta é uma lâmina com falhas ou danificada no campo de batalha, o resultado de ter sido utilizada em combate – esta é claramente como o mundo Islâmico imaginou a lâmina (mais informação sobre a importância deste detalhe pode ser encontrado em Elgood 1994), e a iconografia deste período coloca ênfase neste detalhe, mostrando a lâmina como tendo duas pontas, uma característica única nesta altura, indicativa de dano.

As tradições Sunni e Shi’ita concordam que a espada foi legada pelo Profeta ao seu genro ‘Ali, o quarto Califa e a personificação de galanteria Árabe, conhecido como “o vitorioso leão de Deus (asad-allah ul- ghālib)Nota 24Esta é a fonte do motive com leões esculpida no forte de espadas Persas no século XIX, e pretende conferir força ao utilizador. De ‘Ali foi passada para o seu filho Husayn, que foi martirizado em 680AD. A sucessão de proprietários da arma deixa de ser conhecida neste momento, e a espada em si desaparece, embora vários grupos tenham reivindicado a sua possessão, e a autoridade que lhe estava relacionada. De acordo com Schwarzlose (página 152), a espada passou, por herança, pela dinastia ‘Abbāsid durante um longo período de tempo. Shi’itas Duodécimos alegam que a espada permaneceu na família ‘Alid até 873AD, altura do desaparecimento do décimo segundo Imam.

A lâmina foi copiada por Shias devotos, em dois formatos diferentes, já que a aparência da lâmina original não era conhecida. Num dos formatos, a cópia era em forma de cauda de andorinha, com dois bicos, e o segundo formato tem duas lâminas paralelas, juntas perto do punho, como uma lâmina laminada que se tenha separada por todo o seu meio. Um exemplo sobrevivente do primeiro formato, tradicionalmente atribuído ao Califa ‘UthmānNota 25Topkapi Saray Museum, 21/136. Está também presente uma lamina bifurcada Mameluque do século XV. Vide Yücel, reference 1/215 (que reinou de 23-35AD a 644-656AD) está incluído entre as vinte e duas espadas que, segundo a crença Muçulmana, pertenceram ao Profeta David, ao Profeta Muhammad, aos Rāshidūn (os primeiros quatro Califas) e os Sahāba (Companheiros), conjunto conhecido como as Suyūf-l Mubāreke ou Espadas Sagradas, que estão no Relicário de Istambul. A Dhu’l-Fiqār original pertencente a ‘Ali era considerada única, e portanto a atribuição de uma arma similar no Relicário ao Califa ‘Uthmān, seu contemporâneo, é muito improvável. Para além disto, al-Tabarī descreve quando e onde a original foi perdida.Nota 26al-Tabarī III, página 247 No entanto, os Fātimidas, uma dinastia no EgiptoNota 27Os Fatimids estiveram no poder entre 297-567 AH / 909-1171 AD, que alega descendência Alid através de Fātima, filha do Profeta e mulher de ‘ali, o quarto Califa, alegou publicamente envergar a Dhu’l-Fiqār no quarto século depois da hijra. Uma espada com esta proveniência foi exibida por Ismā’il al-Mansūr aos seus guerreiros para os inspirar contra Abū Yazīd e o seu exército rebelde.Nota 28Journal Asiatique 1852, II, p.481. Vide Schwarzlose, p.152 para a possessão Abbasid desta espada Existem assim sólidas razões históricas para duvidar que a espada em Istambul é de ‘Uthman, embora a lâmina seja de formato primário e tenha possivelmente sido alterada numa data mais tardia por razões doutrinais. A segunda Dhu-l-faqār, com lâminas gémeas paralelas, é representada em miniaturas pintadas desde pelo menos os últimos anos do século XV, mas exemplos sobreviventes parecem ser invariavelmente dos séculos XVIII e XIX. Um exemplo elaborado da fábrica Zlatoustovsk Arms foi oferecida ao Príncipe Alexander Nicholayevitch em 1837 e está agora no Museu Tzarskoye Selo, e um bom exemplo Turco dos últimos anos do século XVIII está exposto no Musée de l’Armée, em Paris.Nota 29Illustrado por Jacob, 1985, página 20 Alguns Sunnis, embora não duvidem da ordem da sucessão, praticam no entanto tafzīl e dão a ‘Ali um lugar superior a outros Califas, enquanto os Shi’itas encaram-no como o sucessor do Profeta e o fundador de todas as ordens de Sufis, excepto a Naqshbandiya. Todos invocam o seu nome como o fatā perfeito, ou guerreiro pela sua fé. Um bom exemplo histórico desta devoção a tudo o que ‘Ali  representa, até aos dias de hoje, é o Sunni Sultão Tippu de Mysore, que mandou inscrever invocações a ‘Ali em todas as suas armas e tomou um interesse pessoal em emular “o vitorioso leão de Deus”. Nos primeiros anos do Shi’ismo Duodécimo a questão de quem possuía a espada tornou-se parte da mais alargada questão de reivindicações para autoridade sancionada divinamente. Por esta razão, os Sultões Otomanos, que quando ascendiam ao trono envergavam uma ou várias espadas históricas que se acreditava terem pertencido ao Profeta ou aos Rāshidūn, geralmente na Mesquita Eyub no Chifre de Ouro, faziam questão de omitir qualquer referência a ‘Ali e à Dhu’l-Fiqār. A espada é frequentemente usada como elemento iconográfico na arte Sufi, sendo o expoente máximo como símbolo de ‘Ali. Frequentemente este nome tem a cauda da ultima letra bifurcada como a espada, o que é apropriado já que ‘Ali é considerado tanto por Sunnis e Shi’itas como o fundador da caligrafia e o criador de Kufic, o mais antigo e importante estilo de caligrafia Qur’anica. Para Bektashis e Alevis, Dhu’l-Fiqār é a representação simbólica do supremo poder de ‘Ali, exprimido no slogan lā fatā illā ‘Alī, lā sayf illā Dhu’l-fiqārnão há herói como ‘Ali, não há espada como a Dhu’l-fiqār. O enunciar desta frase, para os Bektashis, é o equivalente a shahada Sunni, como expressão de fé.

Seria, no entanto, muito errado considerar a devoção a Dhu’l-fiqār como sendo um monopólio Shi’ita, como o desenvolvimento dos grémios de artesãos no mundo Islâmico pode demonstrar. A irmandade de Sufis/ Dervishes fundiu-se com as esnafs (grémios), ‘Ali sendo tanto o bāb ul ‘ilm, ou “portão do conhecimento”, e o padroeiro de todos os grémios de artesãos, e também com o movimento Futuwwa que surgiu por todo o mundo Islâmico nos séculos XII e XIII. Os Futuwwa eram compostos de grupos de jovens ligados por um código de deveres ético e religioso, e um aspecto cerimonial elaborado. Os Futuwwa podem ser assim comparados ao conceito Cristão de Cavalheirismo. O exército Persa Safavid era ‘Alid, mas o seu grande rival, o exército Otomano, estava também profundamente infiltrado por ordens Sufi, e os seus estandartes tinham o símbolo da Dhu’l-fiqār. Soldados Otomanos reformados levaram as suas crenças para as esnafs nos Balcãs, e, por todo o Império onde quer que servissem a Dhu’l-fiqār é, e sempre foi, um símbolo inspiracional para todos os ramos do Islão militante.Nota 30Para uma discussão mais alargada da espada e do seu simbolismo, vide Zaky 1965; E.I.2.; Alexander 1984; Elgood 1994 página 32, nº. 38; Hathaway 2003 Como já vimos brevemente, os ensinamentos e exemplo do Profeta e dos seus Companheiros teve uma influência considerável no desenvolvimento de armas e o conservadorismo inerente no Islão assegurou que estas perspectivas fossem respeitadas. Em muitas partes do Dar al-Islam, as tácticas de guerra eram muito parecidas com o que tinham sido quinze mil anos antes. Lawrence tirou fotos do seu ataque a Akaba na Primeira Guerra Mundial, que mostram um exército quase impossível de distinguir dos outros exércitos Árabes que derrotaram os Bizantinos e os Sassânidas no século VII. Outras sociedades conseguiram manter a sua ortodoxia religiosa enquanto ao mesmo tempo modernizaram os seus exércitos, particularmente aquelas que estavam em contacto próximo com exércitos Europeus, como os Turcos. Conhecimento do proprietário de uma arma e o seu papel e status na sociedade e na história pode ser extremamente útil para explicar o design de uma arma, e adiciona muito à alegria de coleccionar.

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